Dizer que Luana Génot, 31, foi voluntária na campanha de Barack Obama é só um detalhe na trajetória da empresária carioca, jornalista e ativista pela igualdade racial. Fundadora e diretora executiva do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR) e idealizadora da Campanha Sim à Igualdade Racial, Luana dedica sua vida ao combate ao preconceito e defende um mundo com mais histórias de sucesso. Ex-modelo que viu sua cor virar um “problema no mundo da moda”, ela é a convidada do programa #Segundou desta segunda-feira, apresentado por Joca Guanaes no Instagram do CORREIO, às 19h.
Em entrevista exclusiva, a autora do livro Sim à Igualdade Racial: Raça e Mercado de Trabalho (Editora Pallas) reflete sobre assuntos como desigualdade estrutural, racismo no mercado de trabalho, maternidade e representatividade. Confira.
Como será sua participação no #Segundou?
Joca é um grande amigo e profissionalmente um grande visionário que consegue planejar coisas mirabolantes. Muito do que eu vivo hoje a gente sonhava lá atrás. Mas não só sonhava, tentava colocar no papel o que a gente acreditava que precisava ser feito, como o Prêmio Sim Igualdade Racial. A partir desse caráter visionário, a gente pode compartilhar muitas experiências que temos tido juntos sobre o futuro que a gente sonha.
O Senado aprovou, essa semana, um projeto que multa o empregador que pagar salários diferentes para homens e mulheres que exercem a mesma função. O que esse passo do Congresso diz sobre as questões de gênero no mundo corporativo?
Mulheres com a mesma função podem ganhar até 25% a menos que o homem. Isso acontece, mas difícil é fiscalizar. Pelo fato da lei ter avançado, há vistas que há uma bancada progressista no Senado que apoia leis importantes que, por sua vez, conseguem catapultar avanços na sociedade. O Estatuto permite que a gente fale, hoje, com mais nitidez sobre desigualdades raciais no mundo do trabalho, por exemplo, e essa lei com certeza vai nos permitir ser mais incisivas em relação às empresas e à esfera pública no que diz respeito à desigualdade salarial para as mulheres. Mas a gente ainda precisa que essa lei seja ratificada pelo presidente, que em geral não tem pautas tão progressistas. A lei por si só é um ganho, mas precisa ser validada no âmbito real para que de fato possa causar uma mudança estrutural.
Quais são as desvantagens que a população negra enfrenta na construção de uma carreira?
Uma mulher negra recebe metade de uma branca, que por sua vez recebe 25% a menos que um homem branco. Hoje a maioria das mulheres negras estão empreendendo por necessidade ou estão desempregadas ou subempregadas. No grupo das 500 maiores empresas do Brasil, menos de 1% é liderado por mulheres negras e esse contingente representa 60 milhões de mulheres no Brasil. Mesmo com o ensino superior, essas mulheres não conseguem cargos de lideranças nas empresas e isso é grave. Precisa de cotas, metas para reverter esse cenário e acelerar a inclusão e o desenvolvimento dessas mulheres no mercado de trabalho, porque a qualificação para muitas não falta.
Você declarou que a maternidade agrava ainda mais o racismo estrutural. Pode falar mais sobre isso?
O racismo estrutural impede a ascensão socioeconômica dessa mulher e a maternidade ainda é muito delegada a ela. Então, ela tem uma carga maior de trabalho em casa e não consegue ascensão no mercado de trabalho, e por isso não consegue mais dinheiro para uma rede de apoio complementar e isso gera um ciclo vicioso que impede ela de muitas vezes se desenvolver na carreira para conseguir outras oportunidades.
O que a pandemia e o home office trouxeram de reflexão sobre a realidade das mulheres no mercado de trabalho?
Tem uma pesquisa do IPEA que mostra que a participação das mulheres no mercado de trabalho é a menor em 30 anos e a pandemia influenciou muito nisso. Principalmente quando a gente leva em consideração, por exemplo, a carga de serviços domésticos que essa mulher tem. Vamos precisar de muitas políticas públicas e privadas para a reinserção e requalificação das mulheres diante desse novo cenário, cada vez mais tecnológico. A gente sabe que o home office não é uma realidade da maioria delas. Especialmente, quando a gente está falando de uma grande parte de mulheres negras que têm que se deslocar para exercer seu trabalho presencial. A gente precisa rever, requalificar e redirecionar as carreiras de muitas mulheres para que elas consigam se reinserir e consigam outras posições.
Como educar crianças feministas e antirracistas, em sua opinião?
Acredito que a melhor forma de educar nossos filhos é nos educando. Acredito que o feminismo e o antirracismo precisam antes ser um comportamento dos próprios pais; buscar as autoras mulheres, negras, indígenas para abrir o pensamento. É possível ler mais Conceição Evaristo, Ailton Krenak, Djamila, mais Luana Génot. A gente é aquilo que a gente lê, o que a gente consome como informação. Então, ser mais intencional, com certeza, ajuda na educação dos filhos.
O que é preciso para diminuir a desigualdade estrutural do Brasil?
A gente precisa parar de se apegar a histórias de exceção. Precisa construir políticas públicas para fazer com que o acesso às oportunidades seja o mais amplo possível. As desigualdades no Brasil precisam de continuidade em diversas políticas de inclusão, pra que elas consigam certa perenidade no que diz respeito à amplitude das oportunidades para as pessoas. Assim a gente consegue, pelo menos, rumar para um cenário onde as histórias de sucesso não serão excepcionais, mas parte de uma realidade que a gente quer alcançar.
Fonte: Correio