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Os ilegíveis: conselhos se unem para tentar acabar com 'letra de médico'

A empresa de pesquisas britânica KLAS, voltada para área da saúde e tecnologia, apontou que 68% dos erros relacionados ao uso de medicamentos ocorrem pela incompreensão da grafia no receituário. Buscando mudar esse quadro, o Conselho Regional de Medicina (Cremeb) e o Conselho Regional de Farmácia (CRF-BA) estabeleceram uma parceria para conscientizar os médicos sobre a importância da letra legível na prescrição de medicamentos.

De acordo com o presidente do Cremeb, Otávio Marambaia, a letra de médico virou sinônimo de ilegível e isso não apenas pode comprometer o tratamento do paciente como também faz com que a dispensa da medicação pelos farmacêuticos se torne uma tarefa árdua e demorada.

“O problema não é novo e, apesar, da maioria dos profissionais terem acesso ao computador e impressão, é preciso considerar os profissionais que atuam no serviço público, onde essas ferramentas ainda são escassas e ele precisa lidar com a pressão no atendimento de muita gente”, comenta Marambaia. 

Não compreender a grafia de um receituário é rotina para a farmacêutica Gabriela Souza, de 33 anos, que trabalha em uma rede de farmácias em Salvador. “Já aconteceram inúmeros problemas, de um paciente sair sem medicamento, de ter que ligar para o médico para a gente conseguir saber a posologia correta. Não dá para fornecer o medicamento no achismo. Algumas vezes conseguimos entrar em contato com o médico, mas quando é de postinho, por exemplo, a gente não consegue”, relata a farmacêutica.  

O presidente do Cremeb destaca que o Conselho Federal de Medicina disponibiliza a possibilidade do médico gerar uma assinatura eletrônica para as receitas no site do órgão e aplicativos que permitem fazer o receituário e prontuários por meio digital. “Sabemos que os programas de prontuário eletrônicos são caros e essa nova ferramenta possibilita que o médico possa usar os dois gratuitamente, bastando ter um celular para acessar as ferramentas”, anuncia.

Marambaia reforça que a iniciativa visa justamente facilitar a vida do profissional no cotidiano. “Os Conselhos prezam pelas boas práticas profissionais e não apenas exercer um papel de fiscalizador. Por isso acreditamos que essas novidades virão, junto com a campanha conjunta, ajudar os profissionais de saúde, que vivem momentos tão complicados com a pandemia, e a sociedade”, afirmou. 

Tarefa árdua

Farmacêutica responsável pelo Centro de Informação sobre Medicamento do Conselho Regional de Farmácia, Maria Fernanda Brandão reforça que nomes de medicamentos com grafia ou som semelhantes estão relacionados a, pelo menos, 15% das notificações de erros de medicação, segundo o Conselho de Coordenação para Prevenção de Relatórios de Erros de Medicação dos Estados Unidos (NCC MERP na sigla em inglês)..

A representante do CRF Maria Fernanda Brandão reforça a importância de um receituário claro e legível (Foto: Arquivo pessoal)

“No Brasil existem mais de 30 mil medicamentos registrados, um mesmo princípio ativo pode ter dezenas de apresentações diferentes. Nomes como amoxicilina e amitriptilina, por exemplo”, esclarece.

A representante do CRF destaca ainda que a letra ilegível dificulta ainda a identificação da concentração e a forma farmacêutica do medicamento. “Por isso é tão importante evitar o uso de abreviaturas nas prescrições dos medicamentos. Infelizmente, pacientes e farmacêuticos investem tempo tentando descobrir qual o medicamento, a quantidade necessária e a orientação do medicamento que foi prescrito”, afirma. 

Ela lembra que esse tipo de situação impacta na atuação do farmacêutico, especialmente aqueles que trabalham em farmácias comunitárias, que são forçados a demorar mais do que o normal com a dispensação do medicamento e até mesmo, frustrando os pacientes, que podem ficar sem o medicamento ou até mesmo precisarem retornar ao consultório. 

Letras em forma

A tentativa de melhorar a escrita médica é prevista em diversos dispositivos legais. O Código de Ética Médica, no Capítulo III, por exemplo, aborda a responsabilidade profissional, e também traz orientação no artigo 11 sobre receitar de forma ilegível. O artigo proíbe que o médico receite, ateste ou emita laudos de forma secreta ou ilegível, sem a devida identificação de seu número de registro no Conselho Regional de Medicina (CRM) da sua jurisdição, bem como assinar em branco folhas de receituários, atestados, laudos ou quaisquer outros documentos médicos.

O artigo 15 da Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020, que altera o art. 35 da Lei nº 5991/73 diz que a receita deve ser redigida sem abreviações e de forma legível, observando a nomenclatura e o sistema de pesos e medidas oficiais. A norma determina que o documento contenha o nome e o endereço residencial do paciente e, expressamente, o modo de usar a medicação. É necessário ainda conter a data e a assinatura do profissional de saúde, o endereço do seu consultório ou da sua residência e o seu número de inscrição no Conselho profissional.

O farmacêutico Jeremias Souza, de 23 anos, conta que diariamente recebe receitas ilegíveis. “Tem médicos que parecem que não escrevem, eles fazem ondinhas e esperam que a gente decifre aquela receita. Aqui tentamos o máximo para decifrar, mas quando não conseguimos, o cliente acaba saindo sem o medicamento”, comenta Jeremias

Todo o cuidado é pouco para que situações, como o relatado na Revista Lancet, em 1989, não voltem a acontecer. Naquela oportunidade, um médico prescreveu a um paciente asmático Amoxil, um antibiótico. O farmacêutico interpretou mal a palavra “amoxil” e dispensou “daonil”, um medicamento antidiabético. “Isso resultou em uma grave hipoglicemia para o paciente. Apesar do relato de caso ter sido antigo, isso acontece muito frequentemente, sempre ouvimos relatos de trocas de medicamentos causados por uma má caligrafia”, conta Maria Fernanda.

A atendente de uma farmácia em Salvador, Claudia Roberta, 48, criou uma solução para ajudar os farmacêuticos da unidade em que trabalha: um grupo de Whatsapp. “Temos alguns grupos com colegas de outras farmácias para enviar as receitas que a gente não consegue decifrar entre os parceiros que trabalham aqui. Isso ajuda muito, já que no grupo pode ter um farmacêutico que já atendeu muitos receituários daquele médico”, explica Claudia.  

A Resolução nº 711, de 30 de julho de 2021, do Código de Ética Farmacêutica, por sua vez, informa que são direitos do farmacêutico interagir com os demais profissionais para garantir a segurança e a eficácia terapêutica, além de exigir dos profissionais de saúde o cumprimento da legislação sanitária vigente, em especial quanto à legibilidade da prescrição e demais aspectos legais e técnicos.
 

Fonte: Agência Brasil

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