O estudante de Letras, Aladdin Andrade, 21, renasceu em 2021. Foi o ano em que adequou nome e gênero no III Mutirão de Adequação da Defensoria Pública da Bahia e conseguiu ver, pela primeira vez nas suas documentações, seu nome verdadeiro. Como um ritual de renovação, no Dia da Visibilidade Trans e Travesti, celebrado neste sábado (29), queimou os documentos antigos, não vai precisar mais deles. Seu nome morto não importa mais.
Para pessoas transgênero, que não se reconhecem com seu gênero e nome legal de nascimento, o processo chamado de “adequação” na Defensoria e “retificação” na lei, pode ser dificultado por inúmeros fatores. Falta de documentação e de condições financeiras para custear os documentos e receio de sofrer preconceitos nos órgãos públicos são alguns deles.
O IV Mutirão de Adequação da DPE será uma das formas criadas pelo órgão para facilitar o processo, que pode ser tão doloroso para tantas pessoas. As inscrições serão realizadas de forma remota a partir de contato inicial por meio de mensagens de Whatsapp, entre os dias 31 de janeiro e 4 de fevereiro. O número de contato ainda será divulgado nas redes sociais da Defensoria. “Essa queima dos meus documentos com nome morto foi autorizada pela DPE, já que eles não tem mais utilidade, e isso representou muito para mim, porque pude cremar e enterrar meu nome morto”, conta Aladdin. Na última edição, realizada integralmente por vias virtuais, foram registradas 508 inscrições para readequação dos registros, sendo 293 em Salvador e 215 em outras cidades do estado.
“O processo é mais rápido e mais barato do que se fizesse apenas por minha conta. É importante para as pessoas trans que o mutirão ocorra e siga ocorrendo pela facilidade e pelo alcance que ele tem”, diz. Essa é também a opinião de Tuka Perez, 38, que participou do processo em 2019. Foi o ano em que ela conseguiu um emprego como assessora na Câmara dos Vereadores de Salvador, e, por isso, precisou do nome retificado para pôr no crachá. Antes, tentava desde 2014 ter o nome alterado, sem sucesso. “Na época, não era nada legalizado, era um sacrifício e uma espera muito longa, muitas exigências, laudo médico, passar por psicólogo, um processo muito delicado”, conta.
Nessa época, relata que o nome até podia ser alterado, mas o gênero continuava nos documentos como o de nascimento. Isso já dava munição para que, quem pegasse seus registros, a tratasse pelo gênero errado. Mas os atos de preconceito já aconteciam com Tuka muito antes disso. Especificamente, desde que ela começou a transição, quando tinha 15 anos.
Com o anúncio do mutirão de 2019, e ela já tinha ficha na Defensoria e no sistema, foi mais fácil conseguir o registro. Considera a experiência uma das maiores conquistas de sua vida. “É questão de sobrevivência, no país que mais mata transexuais no mundo. Para além de mim, existe uma vida, um eu, e a minha identidade é ser eu, Tuka Perez”.
Isenção de custos
Desde agosto de 2019, ano em que o primeiro mutirão foi realizado, um provimento do Tribunal de Justiça da Bahia garantiu a isenção com os custos para averbação e adequação nos cartórios de registros civis de pessoas naturais no caso de alteração de nome nesses casos, em uma articulação da DPE/BA com a Corregedoria do Tribunal de Justiça e a Arpen-BA.
Apesar disso, a mudança ainda implica os custos decorrentes da emissão das certidões de protesto, uma das exigidas pelos órgãos (leia mais sobre os documentos exigidos abaixo). A Defensoria, entretanto, já ingressou com um pedido no Conselho Nacional de Justiça, para atuar no processo que poderá facilitar o procedimento. Se a solicitação for acatada, pessoas trans hipossuficientes poderão realizar também este procedimento cartorial de forma gratuita.
Além desse caminho, o mutirão também é uma forma do órgão encontrar pessoas físicas e empresas que contribuem com as taxas das emissões. “Na nossa sociedade, as pessoas trans são as mais invisibilizadas, as que têm maior dificuldade para encontrar emprego, e mesmo os empregos são na informalidade. Então não são pessoas que têm facilidade de arcar com os custos. No mutirão, também buscamos pessoas que possam contribuir com doações para a taxa de emissão”, explica o defensor público Daniel Soeiro.
Documentação necessária
Para realizar o procedimento de adequação, além de maiores de 18 anos, é necessário apresentar os seguintes documentos (a maioria dos quais obtidos pela internet):
I – certidão de nascimento atualizada;
II – certidão de casamento atualizada, se for o caso;
III – cópia do registro geral de identidade (RG);
IV – cópia da identificação civil nacional (ICN), se for o caso;
V – cópia do passaporte brasileiro, se for o caso;
VI – cópia do cadastro de pessoa física (CPF) no Ministério da Fazenda;
VII – cópia do título de eleitor;
VIII – certificado de quitação eleitoral;
IX – cópia de carteira de identidade social, se for o caso;
X – comprovante de endereço;
XI – certidão do distribuidor cível do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal);
XII – certidão do distribuidor criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal);
XIII – certidão de execução criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal);
XIV – certidão dos tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos cinco anos;
XV – certidão da Justiça Eleitoral do local de residência dos últimos cinco anos;
XVI – certidão da Justiça do Trabalho do local de residência dos últimos cinco anos;
XVII – certidão da Justiça Militar, se for o caso.
Fonte: Agência Brasil