Um esportista do atletismo, nascido em um país tropical, que tem o sonho de disputar uma Olimpíada de Verão. Ao invés disso, acaba indo parar dentro de um trenó, deslizando em alta velocidade nas pistas geladas dos Jogos de Inverno. Essa é a trama do famoso filme Jamaica Abaixo de Zero, mas é também a história de um baiano: Edson Bindilatti.
Nascido em Camamu – cidade no Baixo-Sul da Bahia, por onde o gelo e a neve jamais passaram -, ele é uma lenda do Brasil no bobsled. Piloto no 2-man (prova com dois atletas no trenó) e no 4-man (com quatro), Bindilatti fará sua quinta e última participação olímpica.
Não à toa, foi escolhido, pela segunda vez seguida, para ser um dos porta-bandeiras do país na cerimônia de abertura de Pequim-2022, nesta sexta-feira (4), a partir das 9h (horário de Brasília). Ele é um dos 11 brasileiros na Olimpíada de Inverno, que vai até o dia 20.
Jaqueline Mourão e Edson Bindilatti serão os porta-bandeiras do Brasil |
Tudo isso, aliás, começou graças ao clássico da Sessão da Tarde. Hoje aos 42 anos, Bindilatti nunca tinha ouvido falar no bobsled até o fim dos anos 1990. Ele era um atleta do decatlo, modalidade em que foi multicampeão. O bom desempenho lhe rendeu um convite inusitado, que mudaria a vida dele.
“Eu tinha resultados expressivos, era campeão brasileiro, sul-americano, finalista do Mundial… E a maioria dos times do mundo de bobsled usa atletas do atletismo, pela velocidade e força muscular. Assim, surgiu o convite para participar do bobsled nacional. Mas eu não sabia o que era. Pediram para eu assistir ao filme Jamaica Abaixo de Zero. Foi como conheci o esporte. Gostei. E estou aqui até hoje”, lembra.
Edson no reconhecimento da pista de Pequim-2022 |
A primeira vaga olímpica aconteceu em Salt Lake City-2002. Na época, Bindilatti era pusher, um dos atletas encarregados a empurrar o trenó. Quatro anos depois, ele estava nos Jogos de Turim, dessa vez como breakman, atleta responsável pela frenagem.
Em Vancouver-2010, a trajetória nos Jogos foi interrompida porque o Brasil não conseguiu classificação. Mas o baiano voltou à maior competição dos esportes de inverno em Sochi-2014, já como piloto. E, em Pyeongchang-2018, veio a melhor colocação do país na modalidade: 23° lugar no 4-man.
Aliás, se em Jamaica Abaixo de Zero os atletas caribenhos eram motivo de piada dos outros competidores, Edson garante: isso não acontece com as ‘Bananas Congeladas’, como a equipe brasileira ficou conhecida. Pelo contrário.
“A gente é sempre bem recebido. Lá atrás, no comecinho, estranhavam. Hoje, não mais. Eles sabem que a gente é uma realidade, que incomoda. Se eles bobearem, vamos lá e passamos por cima. Sabem que somos competitivos, que não somos como o ‘patinho feio’. Hoje, a gente é respeitado e tem resultado para isso”.
A equipe brasileira de bobsled é apelidada de Bananas Congeladas (Foto: CBDG/Divulgação) |
Em Pequim-2022, a missão é conseguir uma posição dentro do top 20. “O principal objetivo é participar da final – fazer as quatro descidas. No bobsled, são três descidas para todas as equipes, e só fazem a quarta os 20 melhores, o que seria a final. Nosso objetivo é conseguir todas. E daí em diante, qualquer posição que conseguíssemos já seria histórico para o Brasil”, analisa. Alemanha, Estados Unidos, Suíça e Canadá são as potências do esporte.
Além de Edson, a equipe é formada pelo xará Edson Martins, Erick Vianna, Rafael Souza e Jefferson Sabino. A primeira prova dos brasileiros da modalidade será com trenó de duas pessoas, no dia 14, a partir das 9h05 de Brasília. Já o quarteto fará a primeira classificatória no dia 18, às 22h30. O país não terá representantes no feminino.
Brasil no primeiro treino de bobsled em Pequim: time mira o top 20 |
O baiano, aliás, quase ficou de fora da Olimpíada. Em um dos últimos treinos antes do embarque para Pequim, ele sofreu um forte acidente, que gerou um corte profundo na cabeça. Fez raio-x, tomografia e precisou levar 25 pontos, mas conseguiu embarcar para a China.
De Camamu para o mundo
Se a vida de Edson hoje é voltada ao gelo, o começo dessa trajetória foi muito diferente: no calor de Camamu, no Baixo-Sul da Bahia. E, ao invés de trenós, a história tem relação com pneus.
Seus pais adotivos, Jair e Dirce Bindilatti, trabalhavam na Firestone, empresa que tinha plantações na cidade para suprir a demanda de borracha natural. Lá, conheceram a mãe biológica de Edson, Maria Balbina, que estava grávida. Sem condições de criar o menino, ela concedeu a guarda ao casal.
“Minha mãe adotiva já tinha dois filhos biológicos e queria mais um, mas não podia. E minha mãe biológica estava grávida de mim e tinha outros filhos pequenos. Não tinha condições de criar, trabalhava como seringueira na época. Aí elas conversaram, entraram em um acordo e me colocaram para adoção. Fiquei seis meses com minha mãe biológica, até ir para a casa da minha mãe adotiva”, conta.
Edson só conheceu os pais biológicos em 2016 |
Pouco depois, os dois foram morar em Santo André (SP), e Edson perdeu o contato com a mãe biológica. A reaproximação aconteceu há alguns anos. E, só em 2016, o reencontro finalmente ocorreu, quando o atleta foi a Camamu pela primeira vez.
“Foi uma emoção muito grande. Descobri que tenho vários irmãos. Isso é muito gostoso. Sempre tive vontade de conhecer minha família biológica. Para você saber onde quer ir tem que saber de onde veio. Só tenho a agradecer à minha mãe adotiva e à minha mãe biológica, por ter tido essa consciência de poder me dar um futuro que ela achava que seria melhor”, diz.
Na época, Edson também conheceu o pai biológico, Augusto. “Ele e minha mãe biológica não são casados, nunca foram. E ele imaginava que eu existia, mas não sabia onde, como, quando, em qual lugar… Mas ele ficou bem contente. Agradeceu minha mãe adotiva por ter cuidado de mim, me deu boa sorte. Pediu desculpas por não ter participado de tudo”.
O contato não ficou restrito apenas a uma visita. Até hoje, eles se falam e, ainda neste ano, Edson planeja mais uma viagem à Bahia. “Isso era uma coisa que estava faltando em mim. Hoje, tenho contato com todos eles, a gente tem grupo no Whatsapp. Esse ano voltarei para Camamu. Me espera que estou chegando!”.
Aposentadoria
Por causa da idade, Bindilatti crava: Pequim-2022 será sua última Olimpíada. Mas a aposentadoria não quer dizer o fim da trajetória no bobsled. Apesar de não pensar mais em competir nas pistas, quer contribuir com o crescimento do esporte no Brasil.
“Meu objetivo agora é ajudar, da melhor forma possível, na evolução da modalidade. Estamos construindo o centro de treinamento em São Caetano do Sul, em São Paulo, onde vamos dar oportunidade para jovens e crianças, com inclusão, e vai ser de alto rendimento também”.
Após se aposentar, o baiano quer ajudar na evolução do bobsled brasileiro |
O que Edson mencionou é a primeira pista fixa de push (empurrada) do Brasil, que está sendo construída no Centro de Treinamento Mauro Chekin. O local servirá de preparação para a seleção brasileira e também para inclusão, formação e desenvolvimento de novos atletas. O projeto é do Clube Paulista de Desportos no Gelo, com parceria da Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG).
Fonte: Agência Brasil