Quarta-feira-de-cinzas, 1º de março de 1922, as ruas de Salvador ainda exibiam os restos da festa momesca: o lixo dos panfletos impressos, distribuídos aos milhares, contendo a letra da música, “Ai seu Mé”, a marcha-rancho que marcou a folia nas ruas e nos clubes, sucesso no Carnaval do Rio, Recife e da Bahia, contra a candidatura de Arthur Bernardes à Presidência da República que a despeito da sátira se elegeu.
Enquanto os foliões de porre voltavam para a casa e outros de ressaca se esqueceram de comparecer às urnas, naquela quarta feira da eleição presidencial, a Bahia registrava um elevadíssimo índice de abstenção. Quem mandou colar o Carnaval na eleição. Alguns analistas já tinham previsto a inconveniência dessa coincidência de datas do calendário. Nada a fazer.
Seu Mé era o apelido de Bernardes, mote explorado pelos compositores Freire Junior e Luís Nunes Sampaio, na música gravada pelo selo Odeon, grande sucesso do Carnaval do Centenário: “Zé-povo quer a goiabada campista/Rolinha, desista, abaixe essa crista/Embora se faça uma bernarda a cacete/Não vais ao Catete! Não vais ao Catete!/ Ai, seu Mé!/Ai Mé Mé!/Lá no Palácio das Águias, olé/Não hás de pôr o pé/O queijo de Minas está bichado, seu Zé/Não sei porque é, não sei porque é/Prefira bastante apimentado, Iaiá/O bom vatapá, o bom vatapá”.
Como essas músicas se tornaram populares, naqueles idos em que o rádio não existia? Através das festas pre-carnavalescas, organizadas pelos grandes clubes, cujos dirigentes pertenciam à elite e tinham fonografo em suas residências. Ao mandar imprimir a letra em panfletos facilitavam a popularização, o mesmo procedimento para divulgar as músicas-temas dos enredos dos maiores blocos, distribuídos aos associados com antecedência. A elite comandava o espetáculo e os negócios.
Se a política e o Carnaval aparentemente se desencontraram, nas ruas e nos clubes de Salvador, há um século, o comércio como de praxe manteve a sua predominância sobre a festa de Momo. Eram muitas e variadas as oportunidades de negócios e de emprego, além da tradicional venda de produtos e insumos carnavalescos, predominante desde a década de 1880, com foco nos importados.
O comércio de oportunidade consistia na locação de janelas e sacadas de prédios (do lado do sol mais baratos), inclusive de repartições públicas, e até de residências, no circuito da Rua Chile/Avenida Sete, para apreciar os desfiles. Locação, também, de quartos mobiliados para mudar de roupa, espaços térreos para a venda de produtos carnavalescos (chamados de Portas), tipo lojinhas improvisadas para funcionarem durante os três dias de festa.
Alugavam-se carros para os corsos, auto-caminhões Ford e pranchas de bonde para a folia de grupos organizados, cadeiras para assistir o desfile da calçada; ofereciam-se vagas nos auto-caminhões, ou nas pranchas de bonde, para “pessoas de família”, ou “pessoas decentes” e exigiam referências. Rapazes autodenominados “distintos cavalheiros”, procuravam moças de “boa índole” para lhes fazerem companhia nos Corsos.
Muitas oportunidades de emprego principalmente para costureiras e bordadeiras, também babás, copistas de bar, propagandistas para distribuição de folhetos, carpinteiros e marceneiros, tratadores de animais (que puxavam os carros alegóricos), floristas e óbvio músicos. O cinema e o teatro também lucravam com a exibição de filmes alusivos à festa e vaudevilles temáticas.
Fonte: Agência Brasil