Nem o Exército Vermelho invadindo Berlim, nem a figura simbólica do Capitão América e seu escudo cintilante defendendo os Aliados. Bem mais próximos dos Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino, os combatentes que lutam contra o nazismo são bandoleiros de chapéu quebrado, fuzil marchetado, punhal de três palmos, cartucheira cruzada e gibão de couro.
Os cangaceiros liderados por Lampião voltam à vida para uma missão digna da sétima arte, numa batalha contra nazistas em pleno sertão nordestino. Preparem a pipoca e a sandália de couro, pois o escritor e cineasta baiano Gabriel Lopes Pontes finalizou o roteiro para o longa-metragem Operação Mandacaru.
Tentaremos dar o mínimo possível de spoilers, pois tivemos acesso exclusivo ao roteiro de Pontes, que adapta o romance de Luiz Roberto Mattos. O filme se passa em dois tempos distintos, mas o principal é no período imediatamente anterior à Segunda Guerra, quando Adolf Hitler envia cientistas e soldados para a Caatinga.
Os nazis descobrem o poder da mamona e começam a produzir um combustível poderoso para seus aviões e tanques. Para tentar desarticular o plano de Hitler, o serviço secreto britânico procura alguém para tirar o bucho dos nazistas. Adivinha quem foi escolhido? Ele, o capitão Virgulino Ferreira.
O cineasta baiano Gabriel Lopes Pontes, autor do roteiro |
A trama segue a linha da ‘história retificada’, em que a ficção toma posse de um fato ou personagem histórico e oferece um fim alternativo. Ou seja, Lampião pode não ter morrido na Grota de Angico (Sergipe), em 1938. “Busquei assimilar a maneira ‘Tarantina’ de grafar um roteiro e de estruturá-lo em termos dramatúrgicos”, explica Lopes Pontes, dando uma dica sobre a linha do seu filme. A adaptação precisou de alguns ajustes em comparação ao livro, ganhando um vilão que será o inimigo de Virgulino Ferreira. Este antagonista se chama Herr Hans. Por ‘coincidência’, no filme de Tarantino, o vilão interpretado por Christoph Waltz se chama Hans Landa.
Seriam os cangaceiros os heróis?
Operação Mandacaru não pretende transformar cangaceiros em heróis hollywoodianos. “Nem heróis, nem vítimas. O cangaço é um fenômeno sociocultural bem específico. Sabemos que foi um momento da história de extrema violência. Porém, a figura do Lampião que eu concebi é um profissional das armas. Um cara que vive daquilo que consegue saquear e, quando necessário, usa da violência. O foco é este choque hipotético entre Lampião e o nazismo. Neste romance, Lampião recebe em troca a anistia, a aposentadoria”, completa Pontes.
Dizem que a vida imita a arte. Na história real, Lampião não enfrentou nazistas, mas não significa que nunca teve uma certa ligação com eles. Há exatos 96 anos, em 12 de março de 1926, Virgulino era recebido com festa em Juazeiro do Norte, no Ceará, sob a chancela de Padim Ciço. Assim como os agentes britânicos na ficção de Pontes, o motivo da visita era convocar Lampião para combater a Coluna Prestes no Nordeste.
Virgulino ganhou a patente de Capitão do Exército Patriótico, recebeu armas modernas e, cumprindo a missão, ganharia a anistia. A questão é que este encontro entre os cangaceiros e Luis Carlos Prestes nunca aconteceu e ninguém respeitou a patente de Virgulino nas cidades. Isso enfureceu Lampião, que acabou retornando ao banditismo com sangue no olho e armado pelo governo.
Agora, a deixa. Se Lampião tivesse sucesso na missão, Prestes teria morrido em solo sertanejo e nunca teria conhecido sua esposa Olga Benário, que, provavelmente, não seria entregue aos nazistas por Getúlio Vargas. Olga morreu num campo de concentração após ser deportada do Brasil. Sacou a referência?
Nestes tempos em que o nazismo voltou a ser defendido, Pontes também pretende mostrar no filme o perigo disso se espalhar. “O nazismo é uma ideologia de ódio que se escora na absurda noção de que existe uma raça superior. As pessoas que postulam o nazismo no Brasil, assim como os que pedem a volta da ditadura militar, não têm a menor ideia do que estão falando”, pondera Pontes, cujo filme está em fase de captação de recursos. Ainda sem rodar, não tem data definida para estreia.
Fonte: Agência Brasil