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Conheça a primeira mulher a ocupar o mais alto cargo da Polícia Civil da Bahia

Heloísa Brito já era delegada aos 22 anos e nem a pouca idade ou os desafios da função a intimidavam, como se, naquela época, já intuísse que um dia seria a ‘xerife’ da Bahia. Desde o começo, enfrentou as dúvidas sobre sua capacidade de atuação defendendo aquilo em que acreditava com veemência: “Eu aprendi a ir até o final na defesa de uma ideia, busco convencer e não me intimido. Quando ia para alguma reunião, ia cheia de argumentos, preparada”, afirma a policial que, aos 49 anos, é a delegada-geral da Polícia Civil baiana, o cargo mais alto da corporação. 

É a primeira vez, em 214 anos de história, que uma força feminina move a Polícia Civil baiana. O caminho, no entanto, não foi fácil. “As pessoas chegavam e não falavam comigo, pediam para eu chamar o delegado. Os policiais falavam para mim que tinham mais tempo de carreira do que eu tinha de vida”, conta ela, sobre o começo da carreira. 

O convite para ser a delegada-geral veio no final de 2020. Para assumir o cargo, Heloísa lançou mão de determinação e coragem, pois sabe o tamanho da responsabilidade que carrega tanto como policial quanto como mulher.

“É uma responsabilidade muito grande, talvez dobrada, mas eu fico feliz por receber o feedback das colegas falando que a minha chegada mostra que outras mulheres também podem chegar. As pessoas sempre associam as polícias, tanto a civil quanto a militar, com funções masculinas. Se a gente olhar o nosso quantitativo, a gente tem muito mais homens do que mulheres. E a gente sabe que os cargos podem ser exercidos por homens ou mulheres, não importa. O que é preciso é esforço, dedicação, técnica e estudo”, enumera.

O fato de uma mulher ocupar a posição de delegada-geral significa que a Polícia Civil está atenta às demandas femininas no que diz respeito à segurança. Para Heloisa, a proteção das mulheres é uma pauta importantíssima há bastante tempo. “Perceber que, apesar das leis, de todo o trabalho que é feito de conscientização, a violência contra a mulher não diminui, mexe comigo. A questão do atendimento à mulher nas delegacias, por exemplo, é algo muito importante.

A gente sabe que a maioria dos nossos servidores são homens e que, em determinadas situações, é muito melhor que as mulheres sejam atendidas por mulheres”.
Heloisa sabe também que para transformar esse cenário, é preciso ter mais mulheres em posições de comando. E ela não caminha sozinha. Com a sua chegada à chefia, no início de 2021, outras mulheres ascenderam junto.

“A gente tinha uma tradição na polícia de mulheres ocuparem cargos de corregedoria, academia, por exemplo. E isso mudou. Quando eu fiz as escolhas de nomeação, fiz pelo perfil profissional e como se encaixaria no departamento. Quando terminei de fazer os convites, me dei conta de que a maioria era de mulheres. E fiquei muito feliz com isso”.

Equilíbrio e organização

A delegada-geral conta que desde adolescente tem um olhar atento e crítico para o que é certo e errado. Como ela mesma diz, ‘carrega a vontade de ver o mundo organizado’. E essa organização reflete em todos os aspectos de sua vida. A mesa do seu gabinete não pode ficar bagunçada, por exemplo. ‘Manter a ordem externa para manter a ordem interna’ é seu lema. Antes de ir dormir, faz uma lista mental com todas as demandas do dia seguinte. E se alguma delas não for cumprida, a auto cobrança é grande. Conciliar a vida profissional com a pessoal é um desafio, seu dia começa às 5h10, mas ela, além de contar com o apoio da família, sempre apela para seu senso de organização para manter o equilíbrio da equação que para a maioria das   mulheres, é rotina.

“Eu acordo às 5h10. Quando a gente pega o celular já vai tendo contato com os acontecimentos e as demandas. Aí eu vou para a atividade física e depois me arrumo e vou para o gabinete. O trabalho vai até de noite, eu chego em casa às 20h, aí é só jantar e dormir. E sou grata por ter a compreensão e o suporte do meu marido e do meu filho”, conta. 

O único momento do dia em que Heloisa se desconecta é a hora da atividade física matinal. “Meu dia só começa depois da atividade física e, se eu não fizer, todo mundo já nota que tem algo errado, eu fico mais séria”, diz. 

Nas segundas, quartas e sextas, ela nada e faz musculação. Nas terças e quintas, corrida na rua. No sábado, uma alternância entre pedal e trechos mais longos de corrida.

O hábito de se exercitar é para aliviar o estresse, mas também carrega um toque de vaidade. Heloísa assume que é vaidosa e que gosta de se vestir bem; o guarda-roupas tem até um padrão de cores. Ela diz que, no trabalho, usa roupas que passam credibilidade e são confortáveis. Apesar de adorar um salto alto, precisa deixá-los um pouco de lado. 

“Uma vez eu estava de salto e fui a campo fazer um levantamento em Ondina que tinha que descer uma ladeira a pé. Fiquei morrendo de medo de sair rolando e acabei me segurando em um dos policiais. Aí depois eu fui logo providenciar um sapato baixo para esse tipo de ocasião”. 

Apesar do salto poder atrapalhar, Heloisa diz que algumas características essencialmente femininas contribuem para o trabalho na polícia.

“A gente tem uma empatia, uma capacidade de se colocar no lugar do outro. Isso para mim acaba sendo uma característica muito feminina, independente da razão. E isso não é sinônimo de ser condescendente, de não ter pulso, é sinônimo de estar atenta e ser cuidadosa. Além disso, tem a nossa capacidade de lidar com várias coisas ao mesmo tempo, muitas vezes pelo fato de a gente ter mais demandas fora do trabalho, como o papel de esposa, mãe, filha”.

Rotina da delegada-geral começa às 5h10 quando acorda, faz exercícios e começa a atender a lista diária que ela organiza e as demandas que chegam ao celular ainda de manhã cedinho

(Foto: Paula Fróes/CORREIO)

Delegada em ação

“Cada caso é um caso, sempre algo novo, não existe tédio, não existe repetição. Cada dia é uma nova emoção, eu sempre digo isso. Até porque existem as reviravoltas também. Às vezes a gente está numa investigação que aponta para um lado, mas, de repente, acontece alguma coisa que muda completamente a direção”, afirma Heloisa Brito sobre sua profissão.

Numa dessas reviravoltas, ela chegou a ficar ao lado de um assassino disfarçado de bom moço. “Fui fazer um levantamento cadavérico e aí apareceu um homem querendo ajudar, dizendo que conhecia a vítima. A gente levou ele para a delegacia, fomos ouvi-lo e descobrimos que ele era um ladrão de banco em outros estados. Ligamos o alerta, fizemos a investigação e, no final das contas, a gente provou que era ele o autor do crime, ele quem tinha assassinado a moça”.

Em outra situação, ela conseguiu impedir um sequestro. “Uma vez a gente conseguiu impedir o sequestro de uma adolescente; fizemos a investigação e prendemos a pessoa antes que o sequestro acontecesse. Essa conquista, ver a gratidão do pai da moça e de toda a família não tem preço, o coração fica cheio de alegria”.

Rotina policial

Até a chegada ao autor de um crime, o caminho passa por oitivas, levantamento e análise de provas, requisição de interceptação telefônica, mandado de prisão ou de busca e apreensão. E não para por aí, porque ainda tem as operações. Heloisa Brito, como delegada-geral, é a responsável por coordená-las, ou seja, dividir a equipe em grupos, determinar tarefas, planejar ações, estudar o local e os alvos, arquitetar estratégias para alcançar o objetivo final: a prisão. 

E ela também vai à campo. Numa dessas operações, em Lauro de Freitas, os alvos eram policiais civis, o que torna tudo mais delicado e, de repente, ela se viu em meio a uma troca de tiros. “A gente teve que abordar os policiais e não sabíamos direito quantos eram, como eles iriam chegar, então era aquela tensão. Teve uma troca de tiros, os policiais fugiram e aí houve uma perseguição até chancelar a prisão”, lembra. 

Para lidar com o dia a dia da profissão, a preparação de Heloisa começou na Academia de Polícia, após passar no concurso que fez no final da faculdade de Direito. Lá, aprendeu técnicas de investigação e também teve aulas de tiro e defesa pessoal. E se surpreendeu porque, mesmo sem nunca ter pego anteriormente numa arma, teve um excelente desempenho. “Foi lá que eu conheci uma arma, aprendi a manusear, a limpar e a atirar controlando a mira e a respiração. E então descobri que eu atiro muito bem”. 

A delegada ressalta que, na profissão que escolheu, o medo não é bem-vindo. “Sabemos que é uma profissão de risco, mas, quando a gente opta por ela, aceitamos que isso vai ser parte da nossa vida”, diz. E esse é um lema que ela segue à risca, mesmo já tendo recebido ameaças. Ela era titular de uma delegacia de Salvador e, após a determinação de mudanças na instituição, passou a receber ligações com ameaças. 

“A pessoa ligava para mim e dizia que sabia que eu estava de plantão, que tinha me visto chegar na delegacia, descrevia as roupas que eu usava. Eu e outros colegas fizemos um trabalho para tentar identificar quem era, mas não tivemos êxito logo de cara. Eu continuei fazendo o meu trabalho, ele deve ter percebido que as ameaças não surtiram efeito e acabou desistindo. Fiquei mais cautelosa em relação aos lugares que eu ia e com quem eu falava, mas segui minha vida, faz parte. Desistir ou recuar não é uma possibilidade”, destaca. 

Fazendo história juntas

O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) também é comandado por uma mulher, a delegada Andreia Ribeiro, 46, que assumiu o cargo em janeiro do ano passado. Com 20 anos de carreira na polícia, tem sua vida profissional dedicada à investigação de homicídios.

Andreia relembra o caso da médica Rita de Cássia, assassinada em 2009 no Shopping da Bahia, um marco na sua carreira: “Toda vez que a gente consegue elucidar um crime de homicídio, por mais que não apague o crime, a gente consegue passar para a família um certo conforto, justiça. A mesma coisa é em relação às famílias de pessoas desaparecidas. É uma pauta grande aqui no departamento e conseguir trazer a pessoa de volta para aquela família é uma sensação única”, afirma. 

Para alcançar os objetivos, a rotina é puxada. Reunião, análise de cenário, discussão de feedback, diretrizes da semana, operações. “A pressão é grande. A gente tem hora para chegar, mas não tem hora para sair. Coordenei há pouco a operação Borderline e, nesse dia, saí de casa 2h e cheguei às 22h. E não tem isso de a chefe sai mais cedo, eu fico até o final com a minha equipe e isso faz toda a diferença”, destaca.

Andreia ressalta que, ao comparar o início da carreira com o momento atual, nota a maior presença feminina na polícia, mas faz questão de pontuar que a conquista não é fácil. “A gente acaba tendo uma responsabilidade maior por representar uma parcela da sociedade, a quebra de uma barreira. Para nós, ocupar cargos decisivos é sinônimo de muito mais responsabilidade, uma atenção e cuidado constante porque, da mesma forma que as coisas positivas vão servir de espelho para outras mulheres, os erros podem ser algo maior ainda”, acrescenta.

Fonte: Agência Brasil

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