Era mais um dia normal na vida de Roseli dos Santos, de 46 anos. Ela se queixava de dor de dente ao se alimentar e por isso procurou uma clínica odontológica na cidade de Nazaré, no Recôncavo baiano, no dia 24 de maio. Foi indicada uma extração e, durante a cirurgia de retirada do dente, Roseli passou mal. Chegou a ser levada pelo Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) a um hospital, mas não resistiu e morreu no mesmo dia.
De acordo com nota emitida pela Odontoclin, onde foi feito o procedimento, a paciente teria sido vítima de um acidente vascular cerebral (AVC). Mas a informação não é oficial, uma vez que o Instituto Médico Legal não divulgou o que levou à morte.
O caso acendeu um alerta nas redes sociais, afinal, a cirurgia é considerada pouco invasiva e é largamente realizada em consultórios. Roseli dos Santos possuía diabetes e hipertensão, de acordo com a Polícia Civil.
Na opinião do cirurgião dentista Lucas Hansen, as comorbidades podem ter favorecido para que a paciente apresentasse complicações durante o procedimento.
“Em pacientes com doença de base, como hipertensão e diabetes, que não fazem consultas de rotinas para regularizar seu estado de saúde, pode eventualmente acontecer [óbito], mas é muito raro”, explica o cirurgião. Ele, no entanto, esclarece que as comorbidades são fatores de risco para qualquer tipo de cirurgia e não somente a retirada de dentes.
“A paciente pode ter sofrido um pico de hipertensão por conta do estresse, porque querendo ou não visitas ao dentista geram ansiedade nas pessoas. Quando o quadro clínico não está bem monitorado, pode desencadear uma série de problemas”, acrescenta. Além do aumento da pressão arterial por fatores psicológicos, outras complicações podem decorrer da cirurgia, como hemorragias e infecções.
O uso indiscriminado de anestésicos e a falta de conhecimento sobre doenças pré-existentes também são riscos. Por isso, é importante que os pacientes passem por uma entrevista com o profissional para que o dentista esteja ciente das condições de saúde de quem vai fazer o procedimento. São as chamadas anamneses. Para pessoas saudáveis, é muito raro que complicações graves decorram da cirurgia.
A dentista Beatriz Lira Lima explica ainda que, se uma pessoa possuir comorbidades e não estiver medicada, dificilmente a extração poderá ser feita. “É um procedimento seguro, desde que o paciente esteja dentro do padrão de sinais vitais que precisamos para que tudo ocorra bem. […] Em casos mais complexos, pode ser pedido também um exame de sangue para aferir as condições do paciente”, esclarece.
Após o procedimento, é comum que a pessoa operada tenha que ser medicada com antibióticos e anti-inflamatórios. A depender do dente que for extraído, a cirurgia pode ser mais ou menos complexa. A retirada do siso, por exemplo, pode causar paresia, que é a perda temporária da sensibilidade do lado em que foi extraído.
Há algumas décadas, o procedimento de extração era largamente utilizado. Hoje, com técnicas mais avançadas, não são tantos os motivos que fazem com que os dentistas optem pela retirada.
“As extrações hoje em dia estão muito relacionadas a procedimentos ortodônticos, quando precisa ser criado espaço para mover os dentes. Também há indicação quando um dente está mal posicionado e quando uma cárie evolui muito”, explica o cirurgião dentista Lucas Hansen.
A reportagem entrou em contato com a clínica em que Roseli dos Santos fez a extração, que informou que “a causa do óbito não está relacionada ao procedimento”. Nas redes sociais, a Odontoclin se pronunciou dizendo que lamenta o ocorrido e que a anamnese da paciente foi realizada antes da cirurgia. Um familiar da vítima disse que ela fazia uso de medicamentos controlados para a pressão alta.
O Conselho Regional de Odontologia da Bahia (CRO-BA) informou que não recebeu denúncia sobre o ocorrido, mas que vem acompanhando o caso. De acordo com o conselho, a dentista é formada e pode exercer a profissão.
Crianças
Quando os pacientes são crianças e os dentes são de leite, as chances de complicações em durante as extrações são menores e o procedimento considerado mais seguro. “A extração de dente de leite acaba sendo mais simples por conta do osso não ser tão enrijecido quanto de um adulto ou idoso. Além disso, quando a criança precisa fazer alguma extração, o dente costuma já estar mole”, afirma a dentista Beatriz Lira Lima.
Mas nem sempre a cirurgia ocorreu bem. Em dezembro do ano passado, uma criança de 10 anos morreu em uma clínica odontológica em Belo Horizonte (MG). O menino teve uma hemorragia durante o procedimento. Em abril, o inquérito da Polícia Civil de Minas Gerais concluiu que não houve negligência dos profissionais da clínica.
Também em dezembro de 2021 e em Belo Horizonte, uma idosa de 67 anos morreu durante o procedimento de extração de dente.
Pacientes devem procurar profissionais habilitados
Durante a consulta com o dentista, os pacientes nunca devem esconder informações sobre seu histórico de saúde, já que isso pode contribuir para a ocorrência de complicações, como explica o coordenador de fiscalização do CRO-BA, Érico Brito.
“É importante que exista uma relação de confiança, os pacientes não podem, em hipótese alguma, esconder informações sobre suas comorbidades. Porque são fatores que interferem na escolha do anestésico e na escolha do melhor horário para realizar o procedimento, por exemplo”, afirma.
Além disso, é importante que os pacientes procurem clínicas confiáveis e profissionais que possuam o registro no Conselho, para que possam estar mais seguros. “O paciente deve ter o cuidado de procurar saber se o profissional possui número do CRO e identificação profissional. Às vezes o paciente pode estar sujeito a uma pessoa não habilitada, que está exercendo ilegalmente a profissão”, completa Érico Brito.
Deve-se desconfiar também quando o profissional não realiza a anamnese e não procura saber o histórico de saúde do paciente que irá se submeter a um procedimento.
*Com orientação da subeditora Fernanda Varela.
Fonte: Agência Brasil