Acordo cedo com o barulhinho irritante do alarme no aplicativo de troca de mensagens. Quando identifico na tela o apelido carinhoso, abro um sorriso. É minha irmã. E, antes mesmo de ver o sol bonito que faz lá fora, o domingo já nasce bom. Estará ocupada o dia todo, avisa, estudando textos do doutorado. “Que delícia”, digo em consolo. Suspeita que a Beagle tenha comido as folhas de uma de suas plantas. “Tem que saber se é venenosa ou não”, pondero, citando o exemplo da trepadeira arisca que habita a minha varanda. Planeja um almoço no próximo domingo. “Coisa pequena, só a família”. Quer saber se tenho o livro de Agamben. “Levo assim que possível”, juro.
Recomenda que não esqueça de medir a glicemia, essa sina. “Deu quanto hoje?”, pergunta, sutilmente conferindo. E falamos sobre esses tempos assombrosos, a política, os desafios e as alegrias da vida adulta. Conta que teve um sonho no qual voltava aos 17 anos. Comento sobre o poema de Violeta Parra e mando o link de um vídeo do Youtube no qual Mercedes Sosa canta lindamente a canção da irmã de Nicanor. E são tantas as coisas que conversamos – nossa infância e adolescência passam como um filme –, que acabo até esquecendo que lá fora é domingo e também faz sol.
Quando não recebo um olá que seja, por mínimo, nuvens densas nublam o horizonte. “Cadê você, irmã?”, questiono, também via aplicativo de mensagens. E confesso que não fico completamente tranquila até que responda. Frase curta, frase longa, carinha sorrindo, figurinha divertida, meme antigo, tá valendo. É que, pouco antes de morrer, nossa mãe pediu que cuidássemos uma da outra. Entre erros e acertos, vamos tentando cumprir a promessa. Nem sempre dá certo. Parte fundamental desse jogo que batizamos como vida é aceitar que somos humanos e erramos e erramos e erramos. Dizem até que família não se escolhe, mas, às vezes, o Destino acerta.
Não costumo trocar tantas mensagens diárias e compulsivas com a minha outra irmã, somos três, embora estejamos sempre em contato. Toda vez que nos falamos é como se o tempo fosse aquilo que realmente é, o fluxo constante de um rio sem margens.
Estamos juntas de todo modo, na calmaria, na revolta das águas. Não importa se estou aqui e ela em São Paulo ou em Belo Horizonte, ocupada com seus projetos de estudos ou de arte. Mesmo que o calendário, ou a tragédia do século, atrasem os nossos reencontros, ainda que as agendas apertadas nos afastem, nada rouba de nós o conforto das conversas após o almoço, quando nos olhamos nos olhos e rimos e choramos e tiramos milhões de fotos. É o amor, e não o ódio, que move o mundo.
Fonte: Agência Brasil