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O nordestino não existe. A burrice, sim!

A região Nordeste é uma divisão inventada e juntada pelo Governo Federal, no século XX, e em seu início não tinha nem Maranhão, nem Piauí, e nem Bahia e Sergipe; esses dois só virariam Nordeste na década de 1970.

Mas é uma região de tamanha riqueza que é impossível ser definida como uma coisa só. Houve até um movimento, capitaneado por Gilberto Freyre, ainda com cinco estados, que pretendia contrapor-se ao modernismo do sul buscando uma identidade regional, ancorada em tradição, cultura popular, que ajudou a sedimentar essa invenção, como bem estuda Durval M. de A. Júnior em seu livro A Invenção do Nordeste. 

Mas, vamos lá. Fala-se em poesia nordestina. Você pensa em literatura de cordel e repentistas, Ascenso Ferreira, Patativa do Assaré e Bule-Bule, ou em Castro Alves? E o que este último tem a ver com João Cabral de Melo Neto? E Augusto dos Anjos, com esses dois? E Jorge de Lima com Manoel Bandeira; e estes com Ferreira Gullar? 

Romance nordestino. O que seria? Dentro da Bahia, temos uma região denominada grapiúna, e a literatura grapiúna, assim chamada, aqui, tem dois contemporâneos separados por poucos quilômetros, Adonias Filho e Jorge Amado que, mesmo tocando em temas às vezes parecidos, parecem ter vindos de mundos completamente distintos da tradição literária. Vamos estender pra Bahia? Comparar João Ubaldo Ribeiro com Herberto Sales ou Sonia Coutinho (pra ficar em prêmios Jabuti)? Se ampliarmos para o Nordeste, Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz escrevem parecido com José Lins do Rêgo? Ou com Lima Barreto?

Caro amante da música nordestina, o samba nasceu na Bahia e o frevo em Pernambuco. Qual o ritmo do Nordeste? E o que é o canto nordestino, Alcione ou Bethânia, Simone ou Elba? O que tem a ver o pessoal do Ceará com a Tropicália? Caymmi com Luiz Gonzaga? Mangue Beat com Novos Baianos? O mesmo que tem a ver o pensamento de Paulo Freire com o de Milton Santos e o de Anísio Teixeira. Há toda uma sofisticação, um respeito internacional por tudo isso, são referências mundiais, mas totalmente diversas entre si. Vai se falar em um pensamento nordestino?

O trio mais famoso do teatro brasileiro: Dias Gomes, Nelson Rodrigues e Ariano Suassuna? Bahia, Pernambuco e Paraíba têm tanto a ver entre si como eles. Então, não dá pra falar em dramaturgia nordestina. E o cinema nordestino é Glauber ou Cacá Diegues? Nem em cinema, e nem em comida, também. 

Peça uma paçoca em Salvador, e depois em Teresina. Peça um mugunzá em Feira de Santana, e um em Juazeiro no Norte. Nem a carne do sol é igual. Nem o baião de dois. Nordeste é dendê e bolo de rolo, e você não acha os dois Nordeste afora.

Aqui, também se matam índios, o racismo é gigante e há preconceito social. Mas há também uma mistura de cores, povos, crenças, heranças e culturas que fazem pulular a cada poucos quilômetros algum prato, música, literatura, manifestação popular diferente e incrível.

Talvez, para algumas regiões menos diversas, e com menos nomes ilustres, a riqueza plural do Nordeste possa não chegar por ignorância ou limitação. Ou pelo costume com uma cultura menos diversa e plural. E notícia ruim se espalha mais fácil. Sim, há a pobreza, há analfabetismo, há fome no Nordeste. Por quê?

Recomendo estudar a história do Brasil. Por exemplo, a formação do Império, no século XIX, com seus latifúndios e sua falta de povo; sim, o país tinha escravos, de um lado, e latifundiários e aristocratas que se locupletavam do erário, do outro. E todos os golpes foram para manter os privilégios das classes abastadas. O golpe de 1889 foi retaliação à abolição, pela qual Francisco José do Nascimento, negro, lutou e fez o Ceará ser pioneiro na libertação de escravizados. Assim como os irmãos Rebouças, Luís Gama (negros) e Joaquim Nabuco – “nordestinos” – que também tanto lutaram. E assim, a todo momento que se pretendia melhorar a condição do trabalhador, sua educação e a distribuição de renda, outro golpe vinha. 

Juntou-se a isso a Indústria da seca. Basta dar um google.

Grandes intelectuais lutaram contra isso tudo. O paraibano Celso Furtado, o pernambucano Paulo Freire e o baiano Anísio Teixeira, por exemplo. E o Golpe Militar de 1964 perseguiu, expulsou, prendeu e matou, quando pôde, para que pessoas assim não seguissem com uma revolução econômica e educacional que tirasse boa parte do Nordeste de sua situação. No entanto, situação de um mesmo Nordeste que legou ao Brasil todos os nomes que citei, e mais tantos que não caberiam num artigo.

Sim, a ignorância de muitos pode não entender processos civilizatórios diferentes entre Norte e Sul. Apenas um exemplo: a vinda à força de escravizados da África, depois abandonados à própria sorte, e a vinda deliberada de colonos europeus para o sul. Qualquer inteligência mediana percebe facilmente a diferença.

É típico de uma ideia fascista repudiar um grupo, seja ele social, étnico, regional, religioso, uniformizando-o como algo negativo, e estigmatizando-o como uma praga para a sociedade. Sim, a ignorância leva a isso. Mas existem casos em que é burrice, mesmo. 

A fome pode ser vencida. O Brasil, recentemente, saiu do mapa da fome (e voltou, para nossa vergonha). Já tivemos pleno emprego a não tanto tempo atrás. Temos muito mais negros nas universidades e formados, e, muitas vezes, em mais universidades construídas em lugares antes esquecidos. Tivemos conquistas no país que, mesmo com golpes, ataques, resistências, preconceitos, luta pela manutenção de privilégios perversos, mesmo com tudo isso, nos fizeram avançar e melhorar; apesar de saber dos passos atrás que vimos dando em momentos como o atual.

Podemos sim, vencer muita coisa em nosso país.

Menos a burrice. A burrice é invencível. E sempre haverá os burros que olharão para o Nordeste como uma imensa massa de flagelados analfabetos; uma pedra no sapato do Brasil que deu certo. E seguirão guiados por preconceitos, mentiras e fake news.

E estes burros são a prova cabal que não demos certo ainda. E muito por culpa dessa gente; o verdadeiro atraso do país.

Fonte: Agência Brasil

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