Um dos efeitos da aceleração digital causada pela pandemia é que as pessoas estão mais impacientes em relação ao trânsito e filas. Depois de experimentar reuniões online, sem necessidade de grandes deslocamentos ou espera, é difícil retroceder. Este é o mundo que o metaverso deve proporcionar nos próximos anos, acredita Ingrid Winkler, pesquisadora e professora do Senai Cimatec. “Eu olho e vejo tudo como metaverso”, diz ela, para depois explicar que o ambiente é uma conjunção de tecnologias que já eram utilizadas, apesar de muito novas, como as realidades virtual e avançada, passando ainda pelo blockchain. Para a professora, as respostas relacionadas ao uso do metaverso são muito parecidas com as sobre o uso de redes sociais.
“Na verdade, a gente vive uma boa parte de nossa vida no Instagram, Facebook e TikTok. A gente faz negócios, interage com a família e se entretém. Eu vejo o metaverso como uma internet 3D, por isso acho que vai ser tudo por lá, ainda que não estejamos virtuais o tempo todo”, acredita.
Entre as propriedades dos novos ambientes está uma qualidade maior de interação, aponta. Durante a entrevista, iniciada por ligação telefônica, Ingrid propõe um passeio pelo ambiente dos laboratórios virtuais do Cimatec. Em poucos minutos, um avatar é criado e o jornalista que está em seu escritório, em casa, também aparece no ambiente virtual do centro tecnológico. A experiência, bastante rápida, é suficiente para indicar as potencialidades de interação.
Ainda que a navegação lembre bastante o ambiente de um game estilo Minecraft, o ambiente já permite a empresas industriais parceiras do Cimatec obterem resultados concretos. “A gente consegue se encontrar num laboratório, fazer coisas em 3D. Agora imagine, temos tecnologias muito embrionárias e já conseguimos produzir bastante coisas, em cinco ou dez anos, com tecnologias melhores, terá um impacto difícil até de projetarmos”, estima.
Entre os desafios para o desenvolvimento do metaverso, a professora destaca a conectividade e a qualidade dos dispositivos. “Existe uma diferença considerável entre o acesso pelo celular e por óculos apropriados. Quando essa ferramenta se tornar mais acessível, o impacto será enorme”, acredita. Ela explica que a expectativa é que a popularidade dos produtos tornem eles mais baratos.
“Se uma criança de baixa renda tiver o acesso aos óculos, vai poder acessar o mesmo conteúdo que uma criança que estuda em uma das melhores escolas do mundo. O metaverso tem uma possibilidade de inclusão ou de exclusão muito grande. Isso precisa ser bem trabalhado”, dimensiona.
O foco do trabalho no Cimatec é o de atender à indústria no acesso às mais modernas tecnologias. No caso do metaverso, já existem demandas, como a da Embraer, para trabalhar com realidade aumentada na estrutura dos aviões. “O Cimatec ajuda as indústrias a identificarem a melhor rota tecnológica”, explica. “A realidade virtual é muito associada aos jogos, que são superimportantes, mas as empresas estão percebendo que podem usar essas ferramentas para melhorias de seus processos produtivos”.
Educação
Leka Hattori, líder regional da Nasa Space e fundadora do Space Terra, explica que a diferença entre o conceito de metaverso e tecnologias como a realidade virtual, por exemplo, está no caráter imersivo. “As pessoas, com seus avatares, conseguem interagir no sentido de se sentirem mesmo num outro ambiente”, explica. Numa videochamada as pessoas se conectam com uma outra realidade através de uma tela, enquanto a ideia do metaverso é que as pessoas se insiram no ambiente, compara. “Se você participa de uma call no metaverso, você pode se sentir sentado numa mesa com a pessoa com quem você está conversando”.
Leka Hattori (Foto: Divulgação) |
Entre as possíveis aplicações, ela destaca a possibilidade de criar coisas dentro do ambiente, o que seria bastante importante para processos de testes, treinamentos e em processos educacionais, por exemplo. “É uma nova etapa da internet, muito mais imersiva”.
“Pela minha experiência, de ter levado essa tecnologia para alunos das redes públicas estadual e municipal, posso dizer que estamos falando de algo com um enorme poder de gerar inclusão e oportunidades”, aponta. Ela pondera que hoje os óculos usados para acessar o ambiente de realidade virtual ou aumentada são mais imersivos, mas não indispensáveis. Além disso, com o tempo, a tendência é que os produtos se tornem cada vez mais baratos, acredita.
Segundo ela, é possível acessar uma plataforma pelo próprio celular e fazer contato com pessoas do mundo inteiro e ter acesso a conteúdos sobre as mais diversas áreas do conhecimento. “É possível estudar de maneira diferente ciências, matemática, conhecer o espaço na sala de casa ou no quarto. O metaverso leva as pessoas para outra realidade que era impossível sonhar há algum tempo atrás”, diz.
Quando fala sobre o potencial inclusivo da tecnologia, Leka destaca um pouco da própria história. Até 2017, ela sequer tinha um laptop, conta. “Eu era chefe de cozinha. Mas fazendo uso das tecnologias eu consegui estudar e entendo elas como ferramentas que nos dão diversas possibilidades”, ressalta.
Em 2018, ela foi escolhida pela Nasa em um processo seletivo e diz que isso a obrigou a buscar cada vez mais conhecimento para passar aos alunos. Leka destaca a riqueza da experiência com aproximadamente 400 alunos da rede pública no Hack at Schools. “Eles viram que a escola pode ser bacana, que a Nasa estava dentro da escola e foram provocados a adquirir conhecimento de maneira colaborativa para ajudar a espécie humana a resolver desafios”, lembra.
Segundo ela, nos primeiros dias, os alunos não acreditavam neles mesmos. “Quando chegavam em casa e diziam que estavam num projeto com a Nasa, os pais nem acreditavam”, destaca. “Eles experimentaram o metaverso, mas experimentaram fazendo ciência. Puderam se ver dentro da estação espacial”.
“Eles só precisam de oportunidades porque a inovação está na veia deles, nossas crianças têm a nossa veia criativa, mas precisam de um empurrão. Tinham crianças que nem gostavam de ir para a escola e viveram uma experiência única”, lembra.
Leka Hattori participou do Web Summit em Lisboa, evento que discute tendências relacionadas à internet, na última semana. Segundo ela, o que diversos especialistas deixaram claro é que se trata de um caminho sem volta, porém não como algo que vai substituir a existência tradicional, mas como um complemento. “Do mesmo modo como antes pouca gente tinha celulares, hoje poucos possuem óculos de realidade virtual, mas estamos falando de um caminho sem volta”.
Potencial da gameficação
Nathan Santos, CEO da Cambui Online Startup de Metaverso, conta que a empresa foi criada no segundo mês de pandemia, em 2020, quando diversos negócios começaram a enfrentar dificuldades por conta das ações de distanciamento para conter o avanço da covid-19. “Na época, criamos uma empresa para trabalhar com realidade virtual e ninguém falava ainda sobre metaverso”, afirma.
Nathan Santos (Foto: Divulgação) |
“Lá atrás já começamos a pensar nos negócios que essa tecnologia de gameficação iria viabilizar, suprindo a necessidade de lojistas, empresas, de pessoas que viviam de atividades relacionadas a turismo, cultura e entretenimento”, lembra. “Nosso negócio é viabilizar que empresas dos mais diversos segmentos consigam acessar novos mercados a partir do metaverso”, diz.
Com o conceito de metaverso, trazido pela Meta há pouco mais de um ano, veio o boom, com o surgimento de diversas oportunidades. “Hoje todos os setores econômicos conseguem se beneficiar com essas ferramentas. É possível estar presente em um dos diversos metaversos que existem e oferecer produtos e serviços para qualquer usuário que fizer login ali”, acredita.
“O metaverso é um conceito que reúne uma série de experiências imersivas. Quem já jogou videogame, de alguma maneira já experimentou o metaverso”, acredita. “Do mesmo modo, quando se faz uma live, uma reunião virtual, está se utilizando tecnologias que comportam o metaverso”, diz. Realidade virtual, aumentada, criptoativos, interação em lives, entre outros exemplos, são ferramentas que compõem o novo ambiente.
Para Nathan Santos, o aproveitamento do potencial que os novos ambientes podem oferecer passa por investimentos em educação. “Não existe capacitação técnica direcionada para estas atividades e há poucos profissionais para atuar. E pense você que tudo o que já se criou em relação ao metaverso representa apenas a ponta do iceberg”, ressalta. “Eu diria que, comparativamente, estamos no lançamento dos chips para celulares. Agora, pense na revolução que se sucedeu a isto”.
“Todas as empresas que hoje trabalham com o metaverso hoje daqui a alguns anos estarão defasadas caso não migrem para atividades mais imersivas porque surgirão muitas atividades que não poderão ser feitas apenas pela tela de um computador ou celular”, acredita o empresário.
Santos acredita que a criação de políticas públicas para facilitar o acesso ao metaverso é fundamental para o desenvolvimento do país. “A iniciativa privada entra para atender uma demanda e tem foco em alcançar resultados. Se não tiver pessoas capacitadas para isso, não terão resultados, ou apenas aquelas empresas maiores e as pessoas com condições de investir na própria capacitação irão desfrutar das oportunidades. Isso pode criar um abismo social”, adverte.
Cimatec discute as tecnologias do futuro
Quem tem curiosidade para conhecer as principais tendências tecnológicas das próximas décadas poderá ver um pouquinho do futuro na próxima quarta-feira (9), quando o Senai Cimatec realiza o Cimatec Talks +20. O evento comemora os 20 anos de um dos principais centros tecnológicos do Brasil, localizado em Salvador.
Com o mote de apresentar as tecnologias que vão mudar o mundo, o Centro de Eventos do Cimatec, na Avenida Orlando Gomes, vai receber uma série de apresentações, entre as 14h e as 20h. Entre os temas, estarão o metaverso, manufatura aditiva, conectividade, o futuro das startups, inteligência artificial, construções do futuro, energias limpas, tecnologias de alimentos, mobilidade e megatendências tecnológicas.
São esperadas 1250 pessoas presencialmente, além da audiência que vai acompanhar as apresentações online pelo YouTube.
Fonte: Agência Brasil